quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

“Do ler e do escrever”, por Friedrich W. Nietzsche



Do ler e do escrever

De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com o próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito.
Não é fácil compreender o sangue alheio; odeio todos os que lêem por desfastio.
Aquele que conhece o leitor nada mais faz pelo leitor. Mais um século de leitores – e até o espírito estará fedendo.
Que toda a gente tenha o direito de aprender a ler, estraga, a longo prazo, não somente o escrever, senão, também, o pensar.
Outrora, o espírito era Deus, depois, tornou-se homem e, agora, ainda acaba tornando-se plebe.
Aquele que escreve em sangue e máximas não quer ser lido, mas aprendido de cor.
Na montanha, o caminho mais curto é de cume a cume; para isso, porém, precisa-se de pernas cumpridas. Máximas, cumpre que sejam cumes; e aqueles aos quais são ditas devem ser altos e fortes.
O ar rarefeito e puro, a vizinhança do perigo e o espírito imbuído de uma alegria. malvadez: coisas que combinam bem uma com a outra.
Quero ter duendes ao meu redor, porque sou corajoso. A coragem que afugenta os fantasmas cria seus próprios duendes: a coragem quer rir.
Eu já não sinto do mesmo modo que vós: essa nuvem que vejo abaixo de mim, essa coisa negra e pesada – é, justamente, a vossa nuvem de temporal.
Vós olhais para cima, quando aspirais e elevar-nos. E eu olho para baixo, porque já me elevei.
Quem de vós pode, ao mesmo tempo, rir e sentir-me elevado?
Aquele que sobe ao monte mais alto, esse ri-se de todas as tragédias, falsas ou verdadeiras.
Corajosos, despreocupados, escarninhos, violentos – assim nos quer a sabedoria: ela é mulher e ama somente quem é guerreiro.
Dizes: “A vida é dura de suportar”. Mas para que teríeis, de manhã, a vossa altivez e, de noite, a vossa submissão?
A vida é dura de suportar; mas, por favor, não vos façais de tão delicados! Não passamos, todos juntos, de umas lindas bestas de carga.
Que temos em comum com o botão de rosa, que estremece ao sentir sobre o corpo uma gota de orvalho?
É verdade: amamos a vida, porque estamos acostumados não à vida, mas a amar.
Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre, também, alguma razão na loucura.
E também a mim, que sou bondoso com a vida, parece-me que as borboletas e as bolhas de sabão e o que mais do gênero há entre homens, são as que melhor conhecem a felicidade.
Ver voejar essas alminhas loucas, leves e graciosas induz Zaratustra a chorar e a cantar.
Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar.
E, quando vi o meu Demônio, achei-o sério, metódico, profundo, solene: era meu espírito de gravidade – a causa pela qual todas as coisas caem.
Não é com a ira que se mata, mas com o riso. Eia, pois, vamos matar o espírito de gravidade!
Aprendi a caminhar; desde então, gosto de correr. Aprendi a voar; desde então, não preciso que me empurrem, para sair do lugar.
Agora estou leve; agora, vôo; agora, vejo-me debaixo de mim mesmo; agora um deus dança dentro de mim.
Assim falou Zaraustra.



(NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratustra – Um livro para todos e para ninguém. 7ª. Ed. Trad. Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p.56-58.)



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