Maria João Oliveira
Não vivemos, como se sabe, uma época mental. O Homem contemporâneo encontra-se em fuga perante o pensamento. No entanto, o mundo só poderá mudar se os nossos pensamentos mudarem. Cada vez mais, o século XXI precisa da Filosofia, como explica Lou Marinoff, no seu livro Mais Platão, menos Prosac (Editorial Presença). A reflexão filosófica permitirá que o ser humano descubra novas maneiras de ver as coisas e alargue a sua compreensão do mundo e de si mesmo. Quem reflecte e examina o que lhe acontece e o que se passa à sua volta, poderá libertar-se do conformismo, tornar-se mais autêntico, mais criativo, mais livre e responsável, porque tentará sempre compreender e, em seguida, decidir quais as atitudes que deve tomar.
No entanto, o filósofo sabe, como Sócrates já sabia, no século V a. C., que a sabedoria consiste em reconhecer a sua própria ignorância. Possuímos um saber limitado e imperfeito, sempre em construção e em processo de aperfeiçoamento. Porém, é necessário simplificar o ensino da Filosofia. Publicam-se manuais para doutores, o que alimenta, ainda mais, os preconceitos que já existem. O tratamento especializado e exaustivo dos temas exige pré-requisitos de informação que os alunos não possuem, obviamente. E quando se pensa o insucesso escolar, há uma causa determinante que raramente é detectada: a ausência da Filosofia do plano curricular do Ensino Básico. E esta ausência é deveras lamentável, porque a Filosofia é uma disciplina que desenvolve o raciocínio e estimula a curiosidade indagadora, favorecendo, assim, o desenvolvimento escolar da criança nas outras disciplinas. Quanto mais cedo a dúvida da Filosofia for semeada nos mais novos, quanto mais cedo ela os ensinar a pensar e a pensar sobre o pensar, mais aptos ficarão para lidar com as várias disciplinas dos seus futuros anos escolares.
E esta disciplina levanta questões ligadas ao mundo da criança, tais como a verdade, a justiça, a liberdade, etc., e ajuda-as a descobrir os suportes para os seus pontos de vista.
Por isso, Matthew Lipman, um educador norte-americano com formação filosófica, criou, no fim dos anos 60, um programa de Filosofia para crianças, praticado em mais de trinta países de todos os continentes, nomeadamente no Brasil, onde alcançou um enorme sucesso, em cerca de 550 escolas. Em Portugal, há quem ensine as crianças a filosofar, embora seja impensável que este Programa chegue a ser assumido oficialmente… Ele leva crianças e adolescentes que, por natureza, são especulativos, a discutirem, com entusiasmo, ideias filosóficas inseridas em histórias aliciantes e acessíveis ao seu nível de leitura, histórias que os remetem para as suas próprias experiências quotidianas. E é com indizível prazer que o aluno aprende a pensar por si mesmo, a antecipar consequências, a saber classificar, a fazer inferências correctas, a evitar generalizações abusivas, etc. E este prazer não está ao seu alcance nas escolas onde se ensina o pensamento dos grandes filósofos, sem dar espaço ao desenvolvimento dos próprios pensamentos dos alunos, bloqueando, assim, a curiosidade que leva à produção de conhecimento e a uma percepção crítica da realidade.
No entanto, há Professores que têm paixão pelo que fazem, minimizando, assim, os efeitos nefastos da mediocridade dos programas. Estes Professores fascinam sucessivas gerações e quando os seus cabelos já são da cor do luar, continuam muito perto da sua data de nascimento. Matthew Lipman é um deles. Por isso, o seu Programa, que não exclui nem o esforço nem o rigor, tem suscitado, nas novas gerações, a paixão de aprender e a vivência da Filosofia como um caminho de busca, exame, interrogação.
Muito ficou por dizer, mas é provável que ainda regresse a este tema e partilhe uma experiência baseada nesta proposta de Lipman.
Para já, fica aqui a paixão inata de Mercedes, ou seja, um conto que dediquei aos mais novos, sobre a força transformadora da curiosidade e do espanto. Uma força que não pode parar nem deve ser travada.
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