terça-feira, 19 de abril de 2011

Poesia e vivência segundo Wilhelm Dilthey

Chegou da Alemanha, na última quarta-feira, meu jovem amigo Eduardo Kisse. Ele, que passara quatro meses em Berlim fazendo um curso de aperfeiçoamento em língua alemã, veio de lá com uma série de bons livros na bagagem, entre eles Das Erlebnis und die Dichtung (Vivência e poesia), de Wilhelm Dilthey (1833-1911).
Tendo apenas passado os olhos em meu outro Blog (http://literaturavivencia.blogspot.com/). Eduardo achou muito interessante eu “ter feito uma referência velada ao Vivência e poesia, de Dilthey”. Em princípio, nenhuma referência foi feita a este autor e a sua obra neste Blog. Entretanto, é preciso reconhecer que o título do Blog e o do referido livro são, mesmo, afins!
Li Vivência e poesia, diletantemente, no ano de 1997 (salvo engano). Na época, ainda não tinha tido acesso ao original alemão e acabei lendo-o na tradução mexicana de Wensceslao Roces (uma tradução bastante satisfatória para o espanhol, com supervisão de Eugenio Imaz).

Com o ensejo da conversa, acabei voltando ao livro e pude, assim, lembrar o quanto existe ali boas intuições, especialmente para quem deseja saber e praticar poesia.

Vivência e poesia receberá uma edição para o português ainda este ano. Publicado pela editora Via Verita, o livro deste que foi, com certeza, um dos últimos mestres-filósofos da Alemanha (e não só filósofo, Dilthey foi historiador, psicólogo, pedagogo, crítico literário e biógrafo; além de professor de nomes como Max Weber, Oswald Spengler, Eduard Spranger e José Ortega y Gasset), terá versão do experimentado tradutor Marco Antonio Casanova.

Enquanto a edição brasileira não sai, fiquemos com um trecho estabelecido a partir da tradução de Roces:

“É a relação entre a vida, a fantasia e a plasmação da obra que determina todas as qualidades gerais da poesia. Toda obra poética atualiza um determinado acontecer. Projeta, portanto, diante de nós a simples aparência de algo real, por meio das palavras e suas combinações. Deve-se, pois, empregar todos os meios da linguagem para produzir impressão e ilusão, e neste modo artístico de tratar a linguagem reside um dos primeiros e mais importantes valores estéticos da obra poética. Não é seu propósito ser expressão ou representação da vida; antes, a linguagem isola seu tema da conexão real da vida e lhe infunde a totalidade dentro de si mesma. Deste modo, põe-se em liberdade a quem desejar captá-la, situando-se neste mundo da aparência, à margem das necessidades de sua existência material. Exalta seu sentimento de existência. Satisfaz ao homem circunscrito pela trajetória de sua vida a nostalgia de viver as possibilidades de vida que pessoalmente não pode realizar. Levanta-lhe o olhar a um mundo mais alto e mais pujante. E ocupa-lhe todo seu ser com a “re-vivência” em um fluxo de processos psíquicos, desde o gozo pelo som, pelo ritmo, pela plasticidade sensível até a mais profunda compreensão do acontecer e de suas relações com toda a amplitude da vida. Pois toda autêntica obra poética destaca o corte da realidade que representa uma qualidade da vida que antes nunca se havia visto deste modo. Ao mesmo tempo que dá relevo a uma conexão casual de processos ou de atos, faz que se revivam os valores que, dentro da vida, correspondem a um acontecimento e as diferentes partes que o formam. O acontecimento tratado cobra, assim, sua significação. Não existe nenhuma grande poesia naturalista que não proclame estes traços significativos da vida, por desconsoladores, estranhos e obtusos que eles possam ser. O gênio artístico dos maiores poetas consiste precisamente em apresentar ao acontecimento de tal modo que resplandeça nele a vida mesmo e seu sentido. Deste modo, a poesia nos abre a compreensão da vida. Com os olhos dos grandes poetas, percebemos o valor e a consciência das coisas humanas.
Assim, no fundo da criação poética se encerram as vivências pessoais, as compreensões de estados externos, a ampliação e aprofundamento da vivência por meio das ideias. O ponto de partida da criação poética é sempre a experiência da vida, como vivência pessoal ou como compreensão da de outros seres, presentes ou passados, e dos acontecimentos em que estes seres cooperam. Cada um dos infinitos estados de vida por que passa o poeta pode ser qualificado como “vivência” em um sentido psicológico: mas só aqueles momentos de sua existência que lhe revelam um traço da vida guardam uma relação profunda com sua poesia. Por muito que o poeta possa tomar do mundo das ideias – e o influxo das ideias em um Dante, em um Shakespeare, em um Schiller, foi gigante – , todas as ideias religiosas, metafísicas, históricas, não são em última instância senão “preparados” de grandes vivências passadas, representações delas e só quando fazem inteligíveis ao poeta suas próprias experiências lhe servem para captar coisas novas na vida.”
(DILTHEY, Wilhelm. Vida y poesia. Trad. Wensceslao Roces. Fondo de Cultura Econômica: México, 1945. p.157-158)








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